terça-feira, 19 de março de 2013

Ana Maria Machado: autora homenageada 2013


por Elizabeth D’Angelo Serra
                                                                      Secretária geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil                                                                           

Ana Maria Machado vive e escreve dialeticamente, apresentando em suas histórias o ponto e o contraponto dos conflitos para, em seguida, trazer uma síntese que se abre para uma nova situação sem nunca se encerrar em uma mensagem ou uma lição. Diz ela: Um escritor não tem que se preocupar com mensagens. Tem que contar uma boa história, de uma maneira interessante, com surpresas de linguagem, e criar um livro que divirta, faça pensar e fique na lembrança do leitor de alguma maneira, dando vontade de reler ou relembrar de vez em quando.
Essa combinação original é o mistério que nos atrai e que torna a sua obra única: a sua vida como uma pessoa comum e o seu olhar artístico e crítico para observar e procurar entender o mundo e suas relações, local e globalmente e, depois, nos contar, do seu jeito o que vê e sente. Por isto suas histórias têm sucesso também com crianças e jovens de terras diferentes e distantes do Brasil, em dezenas de países onde estão publicadas.
Ana não escreve livros para agradar, mas porque sua reflexão sobre a vida se faz por meio da escrita. Escrevendo, dialoga e partilha com os leitores suas experiências contando para isto com uma memória privilegiada. Sempre atenta ao que ocorre ao seu lado, ou mesmo longe, ela rapidamente conecta o passado e o presente com o olhar para o futuro, dando sentido às situações simples e complexas da vida nos ensinando o valor da História.
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), seção brasileira do International Board of Books for Young People – IBBY, é a instituição da qual Ana recebeu as mais altas premiações, inúmeras em diversas categorias. Em 1993, ela tornou-se Hors Concours nas premiações da FNLIJ.
Entre tantos prêmios recebidos, há importantes reconhecimentos que expressam o valor da repercussão de sua obra. Em 2000, a Ordem do Mérito da Cultura, concedida pelo Ministério da Cultura, no seu mais alto grau. Em 2001, a Academia Brasileira de Letras - ABL lhe deu o maior prêmio literário nacional, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra. E, em 2003, ela foi eleita para ocupar a cadeira número 1 da ABL. Pela primeira vez, um autor com uma obra significativa para o público infantil foi escolhido. Atualmente, é a Presidente da ABL. Em 2012, recebeu a Medalha Tamandaré da Marinha do Brasil, pelos serviços prestados à cultura brasileira.
No âmbito internacional, ela recebeu o destacado Prêmio Hans Christian Andersen do IBBY, em 2000, considerado o pequeno Nobel da Literatura Infantil e Juvenil. Em 2011, recebeu o Prêmio Príncipe Claus, da Holanda. Em 2012, o título de Membro Honorária do IBBY e o Prêmio Ibero-americano de Literatura Infantil e Juvenil da Fundação SM.
Ana esteve exilada na Europa e trabalhou como jornalista na BBC de Londres. Ao voltar ao Brasil, em 1972, foi exonerada do serviço público na universidade o que a fez seguir na área do jornalismo no Jornal do Brasil e na rádio JBFM, onde permaneceu por oito anos.
Ela deixou a rádio e o jornal para uma nova experiência com livros: abriu a primeira livraria do país focada em livros infantis, a Malasartes.
Durante a ditadura, as produções artísticas para o público infantil não eram objetos de interesse dos censores que, certamente, não liam para seus filhos, desconhecendo a força formadora e revolucionária da literatura para a cultura e educação dos pequenos. Felizmente Ana Maria escolheu a literatura infantil como forma de se expressar, o que possibilitou levar, para nossos filhos e alunos, a esperança em um país mais justo e o valor inalienável da liberdade!
Os personagens das suas histórias rompem paradigmas: questionam as ordens sem sentido, definidas de cima para baixo sem discussão e as atitudes passivas frente às injustiças, se indignam com o desrespeito aos animais e à natureza sem criar uma dicotomia entre homem e natureza; semeiam relações de solidariedade, promovem as decisões em grupo onde todos podem se expressar e aprendem a ouvir. Eles falam de afetos, de amores e de amizades, sem maniqueísmos ou preconceitos.
Os direitos humanos e os valores democráticos estão presentes regando o imaginário e a fantasia infantil por meio de uma linguagem extremamente bem cuidada, só possível para quem tem o domínio do idioma que Ana traz na sua vasta bagagem intelectual, como leitora e estudiosa da Língua Portuguesa.
As histórias escritas, a partir de 69, na revista Recreio, sob a batuta de Ruth Rocha, revelaram Ana Maria dentre outros autores, como a própria Ruth Rocha. O sucesso dessas histórias junto aos professores e aos pais despertou a atenção dos editores que passaram a encomendar histórias para serem publicadas em livros!
O caminho de Ana como escritora nesses mais de 40 anos é firme, não cedendo aos modismos ou às exigências do mercado, pois é fiel ao que acredita, ao que ela gosta de fazer:
Em maio de 2000, em uma entrevista para o informativo da FNLIJ, ela disse: Eu escrevo porque gosto da língua portuguesa, porque gosto de histórias e conversas, gosto de pessoas com diferentes opiniões, gosto de outras vidas, de outras idéias. Outras emoções. Eu gosto de pensar e imaginar. E em todo esse processo, a leitura é fundamental.
Cumplicidade, afetividade, generosidade, compromisso com as mudanças de maneira radical, um profundo sentido de justiça e postura ética firme são algumas das muitas qualidades de Ana e que estão presentes, com ênfase, nas suas histórias.


Nenhum comentário:

Postar um comentário